
Entra ano, sai ano, e as nossas autoridades só se lembram do problema da febre maculosa no período das secas, quando acontece a movimentação dos carrapatos. Elas sempre elegem como “bode espiatório” as pobres capivaras, como se constata na alínea “e” do inciso II do artigo 6º do Decreto Municipal 15.935/07 (DOM de 14/8/07). É muito fácil jogar a culpa sobre esses inocentes roedores, na tentativa de encobrir a irresponsabilidade da Administração Pública e da “zelosa” população, pois eles não têm como se defender.
As mentes doentias que enxergam nas capivaras todos os males do mundo, deveriam saber que os referidos animais estão em nosso município há milhões de anos; e que, se os humanos não tivessem destruído toda a vegetação nativa e invadido seu habitat, poderíamos, todos, viver em plena harmonia, sem nenhum problema, conforme acontece, ainda hoje, nas aldeias indígenas e áreas rurais. Durante minha vida, que não é curta, sempre convivi com as mais diversas espécies de animais, inclusive capivaras, sem nunca me terem feito ou transmitido qualquer mal. Sabemos que a totalidade dos seres de sangue quente, incluídos aí os humanos, é hospedeira de carrapatos, mas a implicância recai sempre sobre as capivaras. Por que será? Afirmo, no entanto, que os únicos responsáveis pela transmissão das zoonoses são os humanos, e que estes é que devem ser contidos e controlados, jamais outros seres.
De outro lado, estamos mais do que cientes que a malfadada febre maculosa (facilmente curável) tem incidido, principalmente, em bairros e ocupações pobres da cidade, freqüentados ou não por capivaras, e que o número de casos é infinitamente pequeno, diante da enorme quantidade de moradores e dos abusos que cometem. O que o Poder Público deve fazer é exigir que a população seja responsável, controle seus filhos e não invadam as áreas de preservação permanente, nas quais os animais têm o sagrado direito de sobreviver. Se, pelo menos, as matas ciliares, reservas legais de florestas nativas, remanescentes de matas originais, várzeas, os mananciais, cursos d'água, charcos, mangues, parques, lagos etc. fossem resguardados pela população e pelo Poder Público, os animais teriam seu habitat longe dos humanos.
Mas, infelizmente, o aumento demográfico desenfreado da população paupérrima, a falta de educação e o descaso das autoridades têm provocado a deterioração criminosa dessas áreas de preservação permanente. Diante de tudo isso, e pela minha longa experiência, concluo que as principais medidas eficazes para exterminar as transmissões de zoonoses são as que seguem relacionadas: 1 - implantação de eficiente e ininterrupto programa de planejamento familiar (previsto na Constituição Federal); 2 - manutenção e recuperação rigorosa das áreas de preservação permanente; 3 - proibição severa de invasão e perduração de pessoas nessas áreas e de qualquer construção, sob pena de expulsão, demolição, multas pesadas e processos civil e criminal; 4 - retirada imediata das famílias e pessoas que estejam nelas instaladas; 5 - proteção total e contínua dos animais que vivem nas áreas em questão; 6 - efetivação de atividades duradouras para orientação e repressão dos humanos, incluídas autoridades, relativamente às transmissões de zoonoses, visto serem os únicos responsáveis; e 7 - divulgação de que carrapatos existem há milhões de anos, fazem parte da natureza, vão continuar se reproduzindo por tempo infinito, independente das capivaras, e que os humanos, conforme acontecia há três ou quatro décadas, e ainda hoje se vê nas comunidades indígenas e no meio rural, é que devem se preparar para conviver com esses aracnídeos.
José Salomão Fernandes é advogado, contabilista, membro da Associação Protetora da Diversidade das Espécies - Proesp, do Conselho da Fundação José Pedro Oliveira (Mata Santa Genebra), do Concidade e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU).
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