domingo, 23 de setembro de 2007

3ª Conferência das Cidades do Estado de São Paulo

Acabo de chegar da Conferência, onde participei como delegado por Campinas representando as ONGs. Pude verificar que os avanços na participação popular, numa democracia participativa, estão dando seus primeiros passos. Uma das principais reivindicações era voltada para transformar o Concidade em órgão deliberativo, sem o que sua função fica somente no debate inócuo. Porém, concluo que como resultado, após um dia inteiro (fiquei das 8 as 20:30h) ouvindo, discutindo, pensando etc, o resultado é empobrecedor. Vamos aos fatos.
Cada município realizou sua conferência local, da qual foram tiradas pontos de pauta para a conferência estadual. Nesta, a estadual, os pontos de pauta de cada município haviam sido sistematizados por uma equipe, foram apresentados os resultados em um caderno. Em um segundo caderno estavam selecionados, por este grupo, os temas de interesse nacional. Uma das tarefas da conferência estadual era selecionar dois pontos, dos muitos propostos, por temática (4 temáticas) e mais um ponto para a temática cujas propostas foram elaboradas pelo Ministério das Cidades. Logo após o almoço uma urna com os cupons foram disponibilizados para fazermos a votação dos pontos. O resultado seria apresentado à noite (19:30h) para aprovação da plenária. O primeiro problema surge ao se abrir à possibilidade de inclusão de novos pontos a serem colocados para a aprovação da plenária, que não somente os que já tinham sido sistematizados a partir do trabalho dos municípios. Ao iniciar a apresentação dos resultados após as 19:30h, a comissão de sistematização deliberadamente tomou a decisão de reagrupar as propostas em grandes blocos (o que não foi má idéia, mas não houve consulta prévia), assim não apresentou o resultado da votação por ponto de proposta (mesmo solicitado o resultado não foi divulgado). Como havia aberto à inclusão de novos pontos, a situação ficou bizarra, acontece que a plenária já estava esvaziada, neste momento menos da metade dos delegados estavam presentes, o que não foi considerado, assim os pontos novos apresentados durante a conferência foram vencedores no confronto com os anteriores. Ora, isso é uma imensa ofensa os processo democrática que se estabelecera até então, simplesmente coloca por “água abaixo” todo o trabalho das conferências municipais, todo trabalho da comissão de sistematização, todo o trabalho de um dia inteiro em São Paulo (o da própria conferência), num golpe só, todo este trabalho foi desconsiderado e os novos pontos, numa plenária esvaziada e sem representatividade, foram os pontos escolhidos para representarem a vontade dos municípios paulista na conferência nacional.
A segunda tarefa básica da conferência era discutir a criação do Concidade Estadual, a discussão foi pífia, a maioria daqueles que apresentaram propostas, estas eram mais o fazer da conferência a oportunidade de denúncias ou reclamações, parecia um circo, a mesa perdida, não conseguia deixar claro qual era a plenária que estava em andamento. Mas o exercício da democracia é o ouvir, todos foram ouvidos. Teremos que esperar um relatório da comissão organizadora para saber qual será o andamento da criação do Concidade Estadual.
A terceira tarefa, a escolha dos delegados para a Conferência Nacional, foi problemática. Alguns segmentos formaram blocos monolíticos e os delegados já estavam pré definidos, de forma nada democrática. No segmento das ONGs, onde eu estava, um exercício de democracia intenso foi realizado, todos puderam falar e expor suas idéias, porém a pouca disponibilidade em escutar tornou o trabalho extenuante. Graças ao trabalho de Pedro (infelizmente não lembro do nome nem sua ONG) de São Paulo, a condução foi com muito respeito às diferenças, o que possibilitou chegarmos a uma composição satisfatória como resultado. Incrivelmente houve quem reclamasse do excesso de democracia pelo qual o debate foi conduzido. Mas posso dizer e afirmar que foi o que de melhor aconteceu em toda a conferência.

sábado, 1 de setembro de 2007

A febre maculosa e as capivaras


Entra ano, sai ano, e as nossas autoridades só se lembram do problema da febre maculosa no período das secas, quando acontece a movimentação dos carrapatos. Elas sempre elegem como “bode espiatório” as pobres capivaras, como se constata na alínea “e” do inciso II do artigo 6º do Decreto Municipal 15.935/07 (DOM de 14/8/07). É muito fácil jogar a culpa sobre esses inocentes roedores, na tentativa de encobrir a irresponsabilidade da Administração Pública e da “zelosa” população, pois eles não têm como se defender.

As mentes doentias que enxergam nas capivaras todos os males do mundo, deveriam saber que os referidos animais estão em nosso município há milhões de anos; e que, se os humanos não tivessem destruído toda a vegetação nativa e invadido seu habitat, poderíamos, todos, viver em plena harmonia, sem nenhum problema, conforme acontece, ainda hoje, nas aldeias indígenas e áreas rurais. Durante minha vida, que não é curta, sempre convivi com as mais diversas espécies de animais, inclusive capivaras, sem nunca me terem feito ou transmitido qualquer mal. Sabemos que a totalidade dos seres de sangue quente, incluídos aí os humanos, é hospedeira de carrapatos, mas a implicância recai sempre sobre as capivaras. Por que será? Afirmo, no entanto, que os únicos responsáveis pela transmissão das zoonoses são os humanos, e que estes é que devem ser contidos e controlados, jamais outros seres.

De outro lado, estamos mais do que cientes que a malfadada febre maculosa (facilmente curável) tem incidido, principalmente, em bairros e ocupações pobres da cidade, freqüentados ou não por capivaras, e que o número de casos é infinitamente pequeno, diante da enorme quantidade de moradores e dos abusos que cometem. O que o Poder Público deve fazer é exigir que a população seja responsável, controle seus filhos e não invadam as áreas de preservação permanente, nas quais os animais têm o sagrado direito de sobreviver. Se, pelo menos, as matas ciliares, reservas legais de florestas nativas, remanescentes de matas originais, várzeas, os mananciais, cursos d'água, charcos, mangues, parques, lagos etc. fossem resguardados pela população e pelo Poder Público, os animais teriam seu habitat longe dos humanos.

Mas, infelizmente, o aumento demográfico desenfreado da população paupérrima, a falta de educação e o descaso das autoridades têm provocado a deterioração criminosa dessas áreas de preservação permanente. Diante de tudo isso, e pela minha longa experiência, concluo que as principais medidas eficazes para exterminar as transmissões de zoonoses são as que seguem relacionadas: 1 - implantação de eficiente e ininterrupto programa de planejamento familiar (previsto na Constituição Federal); 2 - manutenção e recuperação rigorosa das áreas de preservação permanente; 3 - proibição severa de invasão e perduração de pessoas nessas áreas e de qualquer construção, sob pena de expulsão, demolição, multas pesadas e processos civil e criminal; 4 - retirada imediata das famílias e pessoas que estejam nelas instaladas; 5 - proteção total e contínua dos animais que vivem nas áreas em questão; 6 - efetivação de atividades duradouras para orientação e repressão dos humanos, incluídas autoridades, relativamente às transmissões de zoonoses, visto serem os únicos responsáveis; e 7 - divulgação de que carrapatos existem há milhões de anos, fazem parte da natureza, vão continuar se reproduzindo por tempo infinito, independente das capivaras, e que os humanos, conforme acontecia há três ou quatro décadas, e ainda hoje se vê nas comunidades indígenas e no meio rural, é que devem se preparar para conviver com esses aracnídeos.

José Salomão Fernandes é advogado, contabilista, membro da Associação Protetora da Diversidade das Espécies - Proesp, do Conselho da Fundação José Pedro Oliveira (Mata Santa Genebra), do Concidade e do Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano (CMDU).